Rogaciano Leite – Os Trabalhadores


Obrigado Lu! Valeu mesmo pela dica! E por favor, fique à vontade pra nos ajudar. Um grande cheiro!

OS TRABALHADORES
(Poesia que está inserida num marco da Praça Vermelha de Moscou, onde o poeta esteve em 1968 )

Uma língua de fumo, enorme, bandoleante,
Vai lambendo o infinito – espessas e fatigada…
É a fumaça que sai da chaminé bronzeada
E se condensa em nuvens pelo espaço adiante!

Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte
Que assomando ao covil, ameaçadora e turva,
E subindo… e subindo…assim, de curva em curva,
Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte!

Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro
– Esse enorme charuto que a amplidão bafora –
Que vai gerando monstros pelo céu afora,
Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro.

Ouve-se da bigorna o eco na oficina,
O soluço da safra e o grito do martelo…
Como tigres travando ameaçador duelo
As máquinas estrugem no porão da usina!

É o antro onde do ferro o rebotalho impuro
Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho!
É o ventre do Trabalho onde gera o filho
Que estende a fronte loura aos braços do Futuro!

Um dia,de uma idéia uma semente verte,
Resvala fecundante e,se agregando ao solo,
Levanta-se… floresce… e ei-la a suster no colo
Os frutos que não tinha – enquanto estava inerte!

Foi o germe da Luz,a flor do Pensamento
Multiplicando a ação da força pequenina:
– De um retalho de bronze uma oficina!
– De uma esteira de cal gerou um monumento!

Trabalhar! Que o trabalho é o sacrifício santo,
Estaleiro de amor que as almas purifica!
Onde o pólen fecunda, o pão se multiplica
E em flores se transforma a lágrima do pranto!

Mas não vale o Trabalho andar a passo largo
Quando a estrada é forrada de injustiça e crimes…
Porque em vez de frutos dúlcidos,sublimes,
Gera bagos mortais e de sabor amargo!

Ide ver quanto herói, quanto guindaste humano
Sob a poeira exaustiva e o calor fatigante,
Os músculos de ferro, o porte gigante,
Misturando o suor o seu pão quotidiano.

Sua força é milagre! A redenção bendita!
O seu rígido braço é a enérgica alavanca
O escopro milagroso,a chave que destranca
O Reino do Progresso onde a Grandeza habita!

Sem os pés desse herói a Evolução não anda!
Sem as mães desse bravo uma nação nas cresce!
A indústria não produz! A campo não floresce!
O comércio definha! A exportação debanda!

No entanto,vêde bem! Esses heróis sem nome,
Malditos animais que ainda escraviza o ouro,
Arrastam – que injustiça! – o carro do tesouro,
Atrelados à dor, à enfermidade, e à fome!

Quanto prédio imponente e de valor suntuário
Erguido para o céu, firmado no infinito,
Indiferente à dor, indifrente ao grito
De desgraça que invade a choça do operário!

De dia é no labor! Exposto ao sol e à chuva!
De noite,na infecção de uma choupana escura
Onde breve uma filha há de tornar-se impura
E u’a mulher faminta há de ficar viúva!

Nem mesmo o sono acolhe as pálpebras cansadas!
O leite é a umidez dos fétidos mocambos!
O pão é escasso e duro! As vestes são molambos
E o calçado é paiol das ruas descalçadas!

Ali,a Medicina é estranho um só prodígio!…
Nunca um livro se abrirá em risos de esperança
Para encher de fulgor os olhos da criança,
Apontando-lhe o céu… mostrando-lhe um vestígio!…

Tudo é treva e descrença! O próprio Deus é triste
Ouvindo esse ofegar de corações humanos…
E a Lei – mulher feliz que dorme há tantos anos –
Não acorda pra ver quanta injustiça existe!

Onde está esse amor que os sacerdotes pregam?
Os estão essas leis que o Parlamento imprime?
O Código não pode abrir o seio ao Crime,
Infamando o pudor que os Tribunais segregam!

Vêde bem da fornalha a rubra labareda!…
Olhai das chaminés o fumo que desliza!…
Pois é o sangue… É o suor do pobre que agoniza
Enquanto a lei cochila entre os divãs de seda!

Que é feito desse herói? Ninguém lhe sabe a origem!
O Poder nunca entrou nas palhas do seu teto…
Somente a esposa enferma,o filho analfabeto,
E lá nos cabarés, – a filha… que era virgem!

Existe essa legião de mártires descrentes
Em cada fim de rua,em cada bairro pobre!
É desgraça demais que num país tão nobre
Que teve um Bonifácio e deu um Tiradentes

Será preciso o sangue borbotar na lança?
E o cadáver do povo apodrecer nas ruas?
Tu não vestes, ó Lei, as próprias filhas tuas?
Morre, pois, mãe cruel, debaixo da vingança!

Mas eu vejo que breve há de chegar a hora
Em que a voz do infeliz é livre – na garganta!
Porque sei que esse Deus que nos palácios canta
É o mesmo Deus que pelos bairros chora!

Quanto riso aqui dentro! E lá fora, os brados!
Quantos leitos de seda! E quantos pés descalçados!
Já que os homens não vêem esses decretos falsos,
Rasga, cristo, o teu manto! Abriga os desgraçados!…

13 Comments

  1. Quero parabeniza-lo por tão bela obra,e sinto,sinto muito que o Brasil não conheça nem divulgue nomes como Rogaciano Leite, eu,por exemplo, o conheci no programa do professor Saulo Gomes, que é referencia na defesa e propagação da cultura popular nordestina.

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  2. Tive o prazer e alegria de crescer ouvindo meu Pai falar nos primos e amigos de infancia, Otacilio, Dimas, Lourival e Rogaciano. Como disse o colega acima, falta divulgação, pois nossa geração e as futuras, precisam saber que foram esses homens.

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  3. Parabéns por divulgar o Poema de Rogaciano.
    Cresci também no meio da poesia e dos poetas.
    Depois, perdi o contato com os mesmo ,visto que fui para Recife muito jovem, trabalhar, estudar, buscar a sorte… e agora, moro em SP com minha esposa e 04 filhos homens…

    Contudo, corre na minha veia a poesia e sempre que mergulho nesse universo me transporto ao ninho dela, Itapetim;

    Abraços,
    JR.

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  4. Lindo e significativo o poema. Verdade que foi inserido em um monumento na Russia, ao que me parece em 1968. Não é verdade que seja do seu filho, mas sim, do próprio Rogaciano Leite.

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  5. desde criança que escuto poesias de Rogaciano.Meu pai é fã do poeta e sempre recitava o poema “Ceará Selvagem”, poesia pura mas os Trabalhadores é uma poesia fenomenal. Viva a cultura popular,viva Rogaciano

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    1. Prezado:

      Muito obrigado pela visita e comentário. Eu só vim conhecer os verdadeiros Vates, grandes poetas de nossa terra, de 2007 pra cá. Ainda engatinho, mas vale a pena cada esforço. Vou procurar esse poema, Ceará Selvagem, e oportunamente o ‘posto’ aqui.

      Agradeço mais uma vez e aquele abraço Romançal!

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  6. A poesia é expressão da manifestação popular das mais ricas neste país, infelizmente a grande mídia nacional não abre espaço aos nossos poetas populares, o que é lamentável, preferem reproduzir modelos de programas que não contribuem em nada na formação de nossa gente.

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  7. muito bonito tudo o que se relaciona a poesia e considero o poeta rogaciano o melhor poeta que ate agora tenho lido e estudado . creio que o sobrenome de sua mae e cerqueira e não serqueira com S pois ela era prima legitima do meu avó arão de cerqueira leite neto do primeiro proprietario de cacim´ba nova ´no atual municipio de itapetinm confotrme o livro a familia leite no nordeste do brasilque pososuo e relata a oorigem da familia no nordeste desde l755. escrito pelo conego florentino leite

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    1. Prezado:

      Muitíssimo nos honra sua visita. Espero que outros venham; de pessoas que colaborem com mais e mais referências aos artistas aqui citados. Eu sou um curioso, desses que tem uma coceira na cabeça e adora ouvir coisa assim. Agora, se possível, me diga: cacimba nova é a mesma fazenda/região que foi cantada por Luiz Gonzaga, conforme os versos abaixo?

      Cacimba Nova
      Composição : José Marcolino

      Fazenda Cacimba Nova
      Foi bonito o teu passado
      ‘Inda estás dando a prova
      Pelo o que vejo ao teu lado
      Um curral grande, pendido
      Um carro velho, esquecido
      Pelo sol todo encardido
      Sozinho, sem paradeiro
      Falta de juntas de boi
      Que levantavam ao aboio
      Obedecendo ao carreiro

      Resistente casarão
      Em ti as águas rolavam
      Onde os vaqueiros brincavam
      Em corridas de mourão
      O touro velho berrando
      No tronco do pau fungando
      Os seus chifres amolando
      Com o maior desespero
      O heroísmo tamanho
      Em defesa do rebanho
      Fazendo medo a vaqueiro

      Quem te vê sai suspirando
      Lamentando cada instante
      Vendo o tempo devorando
      O teu passado brilhante
      Mas rogo a Deus para um dia
      Reinar-te ainda alegria
      Paz, sossego e harmonia
      Voltando a felicidade
      Que um sentimental vaqueiro
      Passando no seu terreiro
      Solte um aboio de saudade
      E,e,e,o,e…
      E, boi…

      -x-

      Se sim, saiba que é ela uma de minhas canções favoritas, por conta da ‘levada’.

      Aquele abraço Romançal e os votos de Paz e Bem! \o/

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  8. É com uma grande satisfação saber que Rogaciano Leite deixou um grande legado, principalmente no campo poético. Daí mais um incentivo para os nossos nordestinos sobressairem nesse quesito. Parabéns!!

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